Viver em grupo foi e continua a ser a chave da sobrevivência de muitas espécies do reino animal.
Insetos, como as formigas e as abelhas. Alguns pássaros como os corvos. Mas sobretudos os mamíferos como os elefantes, os lobos, os chimpanzés.
A interdependência entre os seus membros fortalece a comunidade e garante a sobrevivência de cada indivíduo.
Nos seres humanos, na nossa história evolutiva, esta interdependência também permitiu sobreviver e enfrentar os grandes perigos aos quais sempre estivemos expostos – animais, tempestades, condições de temperatura extremas, falta de alimento.
No entanto, o que por outro lado parece ter sido o principal contributo para a nossa evolução enquanto espécie foi algo ainda mais intangível. Em algum momento, as relações estabelecidas emanciparam-se da garantia de sobrevivência e evoluíram para aquilo que hoje poderíamos chamar de “saúde e bem-estar”.
Algures no tempo, o aparecimento de uma linguagem mais complexa e organizada em palavras e frases permitiu a transcendência dessas relações.
A designação de objetos não visíveis, a narração de acontecimentos aos que não os testemunharam, a imaginação de cenários ainda não existentes, a partilha de ideias e pensamentos. Tudo isto permitiu a criação de uma cultura que fortaleceu os laços entre os indivíduos.
Num livro maravilhoso da Prof. Luísa Lima “Nós e os Outros”, vemos organizados em três capítulos o impacto que esses laços podem ter em cada um dos indivíduos que os tocam.
1. A definição da identidade – formamo-nos em relação, com o outro. O que somos, a nossa identidade organiza-se com aquilo que os outros nos devolvem. Os caminhos mais percorridos são aqueles que ficam mais marcados. As conversas que temos, as palavras que ouvimos, o que os outros nos fazem sentir com a nossa existência são os tijolos que unimos com uma argamassa que vamos amassando com mais ou menos custo ao longo da vida.
2. O sentido de pertença – depois das necessidades fisiológicas e da segurança, vem o sentido de pertença na Pirâmide de Maslow. Aqui novamente a importância do grupo, não de uma forma instrumental, mas pela necessidade de conexão ou afiliação. Estar em sintonia com o outro significa que estou ligada, que não estou só, que sou vista e reconhecida pelo outro. Que existo, portanto.
São tão antigos, quanto prolíficos e aceites os estudos sobre suporte social. Essa investigação sublinha a ideia de que sentirmos que temos alguém disponível para nos ajudar terá mais impacto na diminuição de stress do que a efetiva prestação dessa ajuda.
Sentir que faço parte de algo que existe para além de mim, e que espera pela minha chegada, e que fica feliz pelos meus sucessos, e que me conforta nas minhas perdas, e que acolhe as minhas ideias e formas de ver o mundo. É aqui que está esse sentido de pertença. A família, o clube, os amigos da faculdade, o partido político, o bairro, a profissão...
3. A saúde, física e mental – Que as relações interpessoais têm impacto na nossa saúde mental parece-nos relativamente óbvio. E se restavam dúvidas, o isolamento forçado e generalizado que vivemos nos anos de pandemia parece tê-las eliminado inteiramente.
O que parece ser menos óbvio é o impacto na saúde física. Mas a investigação nesta área começa a florescer. O impacto da solidão pode ser ainda mais intenso que outros fatores de risco tradicionalmente considerados como graves.
De acordo com uma meta-análise publicada por Julianne Holt-Lunstad em 2015, a falta de conexão social pode aumentar os riscos de saúde física tanto como 15 cigarros por dia.
A solidão parece ser agora olhada com mais interesse e não apenas pela investigação na psicologia. O aumento do número de pessoas a viver e a morrer sozinhas aumentou de forma assustadora nos últimos anos. E esse fenómeno chamou a atenção dos agentes políticos.
Por exemplo, em 2018 o Governo do Reino Unido na liderança de Theresa May cria o Ministério da solidão com o propósito de criar medidas de combate daquilo que passa a ser considerado um problema de saúde pública e não apenas uma condição individual ou até mesmo social.
Os anos de pandemia parecem ter amplificado este fenómeno. Por exemplo, de acordo com dados de um relatório do Joint Research Centre da Comissão Europeia publicado em 2021, o número de jovens com idades entre os 18 e os 25 anos que diz ter-se sentido sozinho quadruplicou logo nos primeiros meses da pandemia.
O que me preocupa ainda mais, a mim pessoalmente, não é tanto que as pessoas se tenham sentido sozinhas, ou isoladas. Mas mais que as pessoas se tenham habituado a isso.
Na minha prática clínica ouço adolescentes, jovens adultos e adultos referirem-se mais às vantagens de estarem em casa a trabalhar, do que às desvantagens da falta de contacto social. Aqui estou protegida, aqui ninguém me chateia, aqui posso “desligar” quando me apetece.
O sentido de comunidade é de evidente importância para a saúde e bem-estar das pessoas e consequentemente das próprias comunidades.
Estar em comunidade, numa comunidade viva, ativa, saudável representa simultaneamente um modelo e um suporte para escolhas mais saudáveis quer para o corpo quer para a mente.
Há uns tempos deparei-me com este exemplo de comunidade que vem do Zimbabwe. Espalhados pelo espaço comum partilhado existem “Bancos da Amizade” onde se sentam “avós” treinadas para ouvir quem quiser sentar-se. Um projeto iniciado nos anos 90 e que já treinou mais de 600 avós em terapia baseada na evidência e que num só ano (2017) foi usado por mais de 30.000 pessoas em 70 comunidades distintas.
Problemas com os filhos. Com as rotinas. Conflitos com vizinhos. Desavenças com os sogros. Falta de dinheiro para pagar a escola dos filhos ou comprar alimentos. Problemas de saúde.
Num artigo publicado em 2016 no Journal of Medical Association, esta intervenção mostrou melhorias significativas em indicadores de saúde mental.
É uma experiência de comunidade. Comunidade que precisamos de recuperar.
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